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‘Racismo estrutural’ é maior entrave para a população negra no mercado de trabalho, dizem ativistas
Racismo é a denominação da discriminação e do preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. É importante ressaltar que o preconceito é uma forma de conceito ou juízo formulado sem qualquer conhecimento prévio do assunto tratado, enquanto a discriminação é o ato de separar, excluir ou diferenciar pessoas ou objetos.
Tipos de racismo
→ Preconceito e discriminação racial ou crime de ódio racial
Nessa forma direta de racismo, um indivíduo ou grupo manifesta-se de forma violenta física ou verbalmente contra outros indivíduos ou grupos por conta da etnia, raça ou cor, bem como nega acesso a serviços básicos (ou não) e a locais pelos mesmos motivos. Nesse caso, a lei 7716, de 1989, do Código Penal brasileiro prevê punições a quem praticar tal crime.
→ Racismo institucional
De maneira menos direta, o racismo institucional é a manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas, do Estado e das leis que, de forma indireta, promovem a exclusão ou o preconceito racial. Podemos tomar como exemplo as formas de abordagem de policiais contra negros, que tendem a ser mais agressivas. Isso pode ser observado nos casos de Charlottesville, na Virgínia (EUA), quando após sucessivos assassinatos de negros desarmados e inocentes por parte de policiais brancos, que alegavam o estrito cumprimento do dever, a população local revoltou-se e promoveu uma série de protestos.
→ Racismo estrutural
De maneira ainda mais branda e por muito tempo imperceptível, essa forma de racismo tende a ser ainda mais perigosa por ser de difícil percepção. Trata-se de um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido em nossos costumes e que promove, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Podemos tomar como exemplos duas situações:
- O acesso de negros e indígenas a locais que foram, por muito tempo, espaços exclusivos da elite, como universidades. O número de negros que tinham acesso aos cursos superiores de Medicina no Brasil antes das leis de cotas era ínfimo, ao passo que a população negra estava relacionada, em sua maioria, à falta de acesso à escolaridade, à pobreza e à exclusão social.
- Falas e hábitos pejorativos incorporados ao nosso cotidiano tendem a reforçar essa forma de racismo, visto que promovem a exclusão e o preconceito mesmo que indiretamente. Essa forma de racismo manifesta-se quando usamos expressões racistas, mesmo que por desconhecimento de sua origem, como a palavra “denegrir”. Também acontece quando fazemos piadas que associam negros e indígenas a situações vexatórias, degradantes ou criminosas ou quando desconfiamos da índole de alguém por sua cor de pele. Outra forma de racismo estrutural muito praticado, mesmo sem intenção ofensiva, é a adoção de eufemismos para se referir a negros ou pretos, como as palavras “moreno” e “pessoa de cor”. Essa atitude evidencia um desconforto das pessoas, em geral, ao utilizar as palavras “negro” ou “preto” pelo estigma social que a população negra recebeu ao longo dos anos. Porém, ser negro ou preto não é motivo de vergonha, pelo contrário, deve ser encarado como motivo de orgulho, o que derruba a necessidade de se “suavizar” as denominações étnicas com eufemismos.
Racismo e preconceito
Não podemos resumir preconceito a racismo, visto que o preconceito pode advir de várias outras diferenças, como gênero, local de origem e orientação sexual. Porém, o racismo é uma forma de preconceito e, como as outras formas, manifesta-se de diversas maneiras, fazendo vítimas todos os dias.
Segundo a Revista Retratos, seção do site Agência de Notícias IBGE, vinculado ao Governo Federal, no senso do IBGE de 2016, os autodeclarados pretos ou pardos ainda eram maioria nos índices de analfabetismo e desemprego e obtinham menor renda mensal. Isso implica, segundo o site, a manutenção de um sistema excludente, que só poderia ser resolvido, segundo o Prof. Dr. Otair Fernandes, sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Leafro/UFRRJ), com a adoção de políticas públicas afirmativas para valorizar quem foi sistematicamente marginalizado e excluído da sociedade durante tanto tempo. Nesse caso, seriam necessárias mais que atitudes individuais (de conscientização), mas uma atuação dos poderes públicos para promover políticas de inserção e não exclusão dos pretos e pardos no Brasil.
O preconceito racial não é exclusivo do Brasil, visto que, em maior ou menor escala, todos os países colonizadores e colonizados apresentam, em algum grau, índices de preconceito racial contra negros ou, no caso de países colonizados, nativos daquele local. Também é importante ressaltar que uma ação de preconceito somente é considerada racista quando há uma utilização sistêmica e baseada em uma estrutura de poder e dominação contra a etnia da vítima.
Causas do racismo
A discriminação pela origem pode ser reportada desde a Antiguidade, quando povos gregos e latinos classificavam os estrangeiros como bárbaros. A origem da designação do preconceito de raça, em específico, é mais nova, tendo sido alavancada nos séculos XVI e XVII pela expansão marítima e colonização do continente americano. O domínio do “novo mundo” (assim chamado pelos europeus), o genocídio dos povos nativos e a escravização sistêmica de povos africanos geraram um movimento de tentativa de justificação de tais relações de poder por uma suposta hierarquia das raças.
Os europeus consideravam, em sua visão eurocêntrica, que povos de origem europeia nata seriam mais inteligentes e capazes para dominar e prosperar, enquanto os negros e indígenas foram, por muitas vezes, considerados animais.
No século XIX, com o impulso positivista sobre as ciências, teorias científicas racistas surgiram para tentar hierarquizar as raças e provar a superioridade da raça branca pura. O filósofo, diplomata e escritor francês Arthur de Gobineau (1816-1882) é um dos que mais se destacaram nesse cenário com o seu Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas.
Surgiu também no século XIX um estudo baseado na antropologia, na fisiologia e na psicologia chamado de craniometria ou craniologia. Tal estudo consistia em retirar medidas de crânios de indivíduos e comparar as medidas com dados como propensão à violência e coeficientes de inteligência. Hoje em dia, contudo, os estudos sérios tanto com embasamento sociológico e psicológico quanto com embasamento genético não dão mais crédito às teorias racistas do século passado. O nazismo alemão e entidades como a Klu Klux Klan, nos Estados Unidos, utilizaram e utilizam essas teorias raciais ultrapassadas para justificar a supremacia da raça branca.
No Brasil, as causas do racismo podem ser associadas, principalmente, à longa escravização de povos de origem africana e a tardia abolição da escravidão, que foi feita de maneira irresponsável, pois não se preocupou em inserir os escravos libertos na educação e no mercado de trabalho, resultando em um sistema de marginalização que perdura até hoje.
Racismo no Brasil
Quando a Lei Áurea foi promulgada, em 13 de maio de 1888, ficou proibida a escravização de pessoas dentro do território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a extinguir a escravidão e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os escravos libertos e seus descendentes na sociedade, garantindo a essa população direitos humanos, como moradia, saúde e alimentação, além do estudo formal e posições no mercado de trabalho.
Os escravos recém-libertos foram habitar os locais onde ninguém queria morar, como os morros, na costa da Região Sudeste, formando as favelas. Sem emprego, sem moradia digna e sem condições básicas de sobrevivência, o fim do século XIX e a primeira metade do século XX do Brasil foram marcados pela miséria e sua resultante violência entre a população negra e marginalizada.
Quanto à população indígena sobrevivente do genocídio promovido contra o seu povo, havia cada vez mais invasão de suas terras e desmembramento de suas aldeias. Essas ações sistêmicas promoveram e sustentam até hoje a exclusão racial em nosso país, o que resultou em diversos estudos sociológicos. Dentre eles, destacamos os estudos de dois pensadores brasileiros:
→ Gilberto Freyre (1900-1987)
O historiador, sociólogo e escritor pernambucano, oriundo de família rica e tradicional, escreveu a primeira grande obra brasileira que trata das relações entre senhores e escravos no período colonial e imperial no Brasil, o livro Casa Grande e Senzala, publicado em 1936. Apesar do grande destaque que os escritos freyreanos ganharam na Sociologia brasileira, suas teorias centrais são muito criticadas por falarem de uma suposta formação nacional baseada em uma democracia racial existente nas relações entre negros e brancos.
Freyre não utiliza o termo “democracia racial” em Casa Grande e Senzala, mas descreve relações amistosas entre brancos e negros baseando-se na miscigenação do povo brasileiro, característica pouco comum em outros países que tiveram escravos de origem africana. O autor fala sobre um sistema de relações de poder nítido no período colonial, no qual a sociedade patriarcal privilegiava os homens, inclusive no caso de escravismo, pois a mulher negra seria a última na cadeia hierárquica.
Quando o senhor escolhia as escravas com quem ele queria relacionar-se, e isso era comum, as senhoras acabavam tomando rancor dessas escravas e maltratando-as. Assim, a visão de Freyre de uma democracia pela miscigenação não se sustenta, pois, segundo Ronaldo Vainfas, historiador e professor brasileiro, é “por constatar que os portugueses se sentiram sexualmente atraídos por índias, negras e mulatas que Freyre deduz, equivocadamente, a ausência de preconceito racial entre estes colonizadores”.
Essa miscigenação, fruto daquela suposta atração sexual dos colonizadores pelas negras e pelas índias, foi, na verdade, causa de estupros sistêmicos e de relações abusivas dos senhores, tratando as mulheres negras e indígenas como meros objetos.
Falando a respeito da ideia de hegemonia e democracia pela miscigenação, ideologia em alta na Europa por causa do regime nazista, do fascismo na Itália e com ecos até aqui no Brasil, com o Integralismo, Freyre ainda argumenta contrariamente, dizendo que a miscigenação é que provocaria o melhoramento racial, o que resultaria no melhoramento e no enriquecimento genético dos brasileiros e que comporia a grande diversidade da formação social brasileira.
→ Florestan Fernandes (1920-1995)
Sociólogo e político paulista formado pela Universidade de São Paulo (USP), Florestan Fernandes veio de família humilde. Filho de mãe solteira e tendo que trabalhar desde sua infância, a sua produção intelectual voltou-se, em vários períodos, para pessoas de sua origem social. Crítico das ideias de Gilberto Freyre, Fernandes dedicou-se a estudar as relações entre miséria e a população negra no Brasil.
Sua tese de livre-docência, defendida na Universidade de São Paulo e intitulada A Integração do Negro na Sociedade de Classes, trata do racismo sistêmico e da persistente segregação dos negros na economia brasileira, que, na visão do pensador, começou com a escravidão e nunca foi superada.
A visão de Florestan Fernandes abre espaço para críticas em relação à democracia racial proposta por Gilberto Freyre e abre os olhos de intelectuais e autoridades sobre o racismo estrutural no Brasil. O fato é que houve, por aqui, um predomínio muito forte do racismo estrutural, durante anos imperceptível, ao passo que nos Estados Unidos havia um sistema oficial de segregação de raças, o que levou a um grande levante negro contra a discriminação.
Nos Estados Unidos, personalidades como Martin Luther King, Rosa Parks, Muhammad Ali e Malcolm X, além de movimentos radicais como os Panteras Negras, lutavam, uns utilizando-se da resistência pacífica e outros do combate, contra a segregação.
Lei para crime de racismo
Em janeiro de 1989, foi sancionada a lei nº 7716, que tipifica como crime qualquer manifestação, direta ou indireta, de segregação, exclusão e preconceito com motivação racial. Essa lei representa um importante passo na luta contra o preconceito racial e prevê penas de um a três anos de reclusão aos que cometerem crimes de ódio ou intolerância racial, como negar emprego a pessoas por sua raça ou acesso a instituições de ensino e a estabelecimentos públicos ou privados abertos ao público. Quando o crime de incitação ocorrer em veículos de comunicação, a pena pode chegar a cinco anos. Essa lei também torna crime a fabricação, divulgação e comercialização da suástica nazista para fins de preconceito racial.
Desde 2015, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei do então Senador da República Paulo Paim (PT – RS) que modifica o Código Penal brasileiro, tornando o racismo um agravante para outros crimes. Se implantado, o projeto de lei resultará em penas mais severas para os crimes de lesão corporal e homicídio, quando estes resultarem de ódio e preconceito racial.
Racismo reverso
Ultimamente, uma discussão que tem levantado opiniões divergentes nas redes sociais e na mídia em geral é se existe ou não o chamado racismo reverso. Racismo reverso seria a forma clássica de preconceito motivado pela raça, cor ou etnia, porém, contra brancos, ou de negros contra brancos. Os que concordam com esse posicionamento tendem a utilizá-lo como uma defesa, alegando que, muitas vezes, pessoas negras tecem ofensas racistas contra pessoas brancas. Para esclarecer esse assunto, precisamos observar alguns pontos.
Primeiro, o que é considerado racismo vai muito além de ofensas verbais. Temos um longo processo de segregação, muitas vezes institucionalizado, que mantém uma cadeia de exclusão dos negros da sociedade, da educação e da economia, os quais, na maior parte dos casos (inclusive na África do Sul, país com 40% da população branca), são dominadas por brancos.
Em segundo lugar, é preciso levar em conta os fatores históricos. Os negros foram sistematicamente escravizados, tratados como animais e, após a abolição do escravismo nos países ocidentais, excluídos e marginalizados. Isso significa dizer que existe uma cadeia de fatores históricos que tornam o preconceito e o ódio contra negros (e contra índios, que viveram situações similares) racismo.
Houve, inclusive, tentativas científicas de justificar tal prática. No entanto, nunca houve um momento na história moderna e contemporânea em que os brancos fossem escravizados por negros, tratados como animais e marginalizados social e economicamente. Por isso, é complicado tratar uma ofensa racial isolada contra pessoas brancas com a mesma gravidade com que se trata o racismo contra os negros e indígenas. Além disso, o racismo tende a ser ativo, enquanto o que se chama de racismo reverso, reativo, visto que ele resulta de um sistema racista que exclui as populações não brancas há anos.
De qualquer modo, a lição que podemos tomar é que o preconceito, a discriminação e o ódio contra quem é diferente (pela cor, religião, nacionalidade ou até pela orientação sexual) não deve ter mais espaço em nossa sociedade. O século XXI deve procurar o progresso, e o preconceito somente representa o atraso.
Racismo na escola
Infelizmente, o racismo ainda ocorre dentro da escola, podendo manifestar-se de maneira nítida e explícita ou de maneira disfarçada. Encontramos casos de discriminação racial cometidos por estudantes, por e servidores das instituições e por pais e mães de alunos contra os servidores escolares. Esse tipo de manifestação direta de racismo por parte das instituições foi comum em tempos mais antigos, quando a discriminação racial não era crime no Brasil ou quando a segregação racial oficial ainda acontecia – nos Estados Unidos, por exemplo.
Além do racismo explícito, casos de racismo estrutural são ainda frequentes nas instituições escolares brasileiras. Um exemplo disso é a discriminação contra os cortes de cabelo ou penteados afro, como o black power, tanto para meninas quanto para meninos negros. Outro exemplo é a manifestação de preconceito racial por meio da intolerância religiosa, quando praticada contra religiões de origem africana.
Em seu livro Responsabilidade e Julgamento, a filósofa judia alemã, refugiada e erradicada nos Estados Unidos, Hannah Arendt, escreve um capítulo chamado Reflexões sobre Little Rock, dedicado a comentar sobre um fato ocorrido na cidade de Nova Orleans, em 1960. A pequena estudante Ruby Bridges, que com apenas seis anos de idade foi uma das seis crianças negras aprovadas para estudar em escolas frequentadas apenas por brancos em Nova Orleans, sofreu com o preconceito na escola, que, até então, era exclusiva para pessoas brancas.
A comunidade foi contra, e muitos alunos e familiares de alunos ameaçaram a família de Ruby. Alunos saíram da escola, e quase todos os professores recusaram-se a lecionar para Ruby, com exceção da professora Barbara Henry, que teria lecionado sozinha para a garotinha por mais de um ano.
Dwight Eisenhower, presidente dos Estados Unidos que contribuiu significativamente para o fim da segregação racial nas escolas e nas forças armadas americanas, designou quatro agentes federais que ficaram responsáveis por cuidar da segurança de Ruby em seu início escolar. Os policiais acompanhavam a menina no trajeto de casa à escola e ainda tinham que cuidar de sua segurança dentro da escola. Durante muito tempo, por medida de segurança, Ruby comeu apenas a comida trazida de casa para evitar possível envenenamento caso comesse o lanche oferecido pela instituição.
Casos de racismo
Casos de racismo chamaram a atenção dos brasileiros por envolverem pessoas famosas ou terem sido compartilhados nas redes sociais. Podemos destacar o caso do goleiro Aranha, então jogador do Santos, que em 2014 foi chamado de “macaco” por vários torcedores do Grêmio após o time sofrer derrota em um jogo da Copa do Brasil. O caso foi filmado, medidas legais foram tomadas, e o Grêmio foi expulso da Copa do Brasil.
Houve também, em 2015, uma ocorrência de discriminação racial em uma loja de grife situada na Rua Augusta, em São Paulo, em que um menino negro, filho adotado de um cliente branco, ouviu da atendente que ele deveria sair e não poderia ficar ali (na calçada, próximo à entrada da loja).
Infelizmente, o racismo é recorrente, e essa notoriedade negativa de certos casos ainda representa uma pequena parcela do racismo brasileiro. Nesses casos, as vítimas somente foram reconhecidas, amparadas e levantaram a opinião pública contra a discriminação racial porque havia pessoas instruídas e amparadas por um status social que os permitia ter voz. E os casos de racismo que nunca aparecerão na mídia? E os casos de pessoas ofendidas, discriminadas, violentadas e mortas, nas periferias e nos interiores, por representantes do Estado e por civis? Esses casos ainda são inúmeros e devem também chamar a atenção popular.
Fonte: Brasil Escola
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