Um dos aspectos pouco abordados do isolamento social causado pela pandemia da COVID-19 é o impacto psicológico que pode atingir públicos mais vulneráveis. De acordo com um estudo conduzido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista médica Lancet, casos de ansiedade e estresse mais que dobraram durante o período de pandemia da doença derivada do novo coronavírus (SARS-CoV-2), ao passo que diagnósticos ou agravantes em quadros de depressão subiram 90%.
Os fatores para isso são muitos, em todos os públicos, mas podemos isolar o estresse, a sobrecarga de obrigações ampliada durante o isolamento — trabalhadores obrigados a saírem de casa por empresas essenciais ou que não permitiram o trabalho remoto —, bem como idades mais avançadas (que constituem grupos de risco) e também mulheres, que se veem na obrigação de atender a demandas de trabalho na rua bem como tarefas do lar em maior peso, já que filhos e outros parentes estão em casa.
Segundo Elisa Faria, psicóloga da Ama Psicologia Clínica em Natal, Rio Grande do Norte (RN), a pandemia da COVID-19 introduziu um elemento desconhecido à rotina dos brasileiros, que agora lidam com um tipo de incerteza em vários aspectos da vida, o que se traduz em estresse exacerbado na hora de encarar o dia a dia: “a necessidade de isolamento é essencial para o nosso cuidado, mas também sobrecarrega um sistema que já está vivenciando uma série de mudanças complexas, pois também limita nossos recursos de enfrentamento — encontro com amigos, terapias em grupo, reuniões religiosas, o contexto de trabalho conhecido, encontros familiares, projetos futuros — tudo isso acabou virando uma incerteza”.
A especialista ainda afirma que esse tipo de problema não necessariamente afeta públicos específicos, mas coloca a todos nós como sujeitos a essa ampliação da sensibilidade em relação a dificuldades psicológicas, ainda que cada indivíduo apresente a sua própria resposta a esse tipo de estímulo: “Os quadros clínicos de depressão e ansiedade são fenômenos complexos e qualquer tentativa de simplificação pode ser perigosa, especialmente no contexto de pandemia e distanciamento social. O que posso sinalizar é que todos seremos afetados por esse novo contexto de pandemia e isolamento social, porém de formas singulares e dependendo de uma multiplicidade de fatores”.
“Quando falamos sobre processos depressivos e ansiosos, vários pontos precisam ser considerados e avaliados. Não podemos falar em acaso ou em um único fator de predisposição. É prudente que falemos em fatores de risco que são de ordem ambiental, genético e biológico. É complexo e multideterminado”.
Beatriz Mendes, também psicóloga baseada em Natal, concorda com essa posição: “Cada fase da vida traz consigo necessidades e cada um de nós tem um papel a exercer, todos nós fomos prejudicados em algum aspecto que seja durante o isolamento social, seja a dificuldade de se adaptar às aulas online porque as escolas fecharam as portas físicas; a impossibilidade de encontrar os amigos porque precisamos ficar em casa; a insegurança financeira, pois o salário foi reduzido já que a produção também; o medo iminente da morte, pois já temos certa idade; entre outros”.
Interação tecnológica? Teu nome é “videogame”!
Diante do quadro inédito posicionado em nossas vidas pela pandemia, muitas pessoas apresentaram uma adoção maior das ferramentas de tecnologia para conduzir o dia a dia. Estimativas do Gartner dizem que, até 2021, pelo menos metade da força de trabalho no mundo fará o chamado home office ou em caráter permanente (todos os dias trabalhando de casa) ou intermitente (alternando períodos em casa e no escritório).
Ferramentas online de condução do trabalho, evidentemente, viram um surto de popularidade em suas respectivas bases de usuário — vide o app de videoconferências Zoom, apesar de todos os seus problemas —, mas e quanto à rotina diária? Analistas da Imperial Capital norte-americana estimam que cerca de 510 mil pessoas devem criar uma conta na Netflix, já que maratonar séries e filmes tem sido uma válvula de escape nestes tempos estranhos.
“Qualquer atividade que gere socialização é positiva”, comenta Beatriz. “Particularmente, imagino que quem já gostasse dos videogames antes [da pandemia] vá continuar jogando agora. As intenções é que são infinitas, podendo partir desde uma forma interativa de passar o tempo até uma forma de aproximar quem está dentro de casa ou quem não é parte do convívio diário”.
“Acho que são excelentes recursos, pois podem ampliar as possibilidades de diálogo, distrações, além de facilitar aprendizados e conexões nesse contexto de isolamento social”, afirma Elisa. “Antes da pandemia, era comum relatos sobre a ausência de tempo para atividades em conjunto, promovendo, portanto, certos distanciamentos ainda que todos morando em uma mesma residência. Agora, com a necessidade que todos fiquem em casa, essas atividades interativas podem ajudar a construir essas aproximações e mais tempo em família”.
Elisa ainda argumenta que isso não é algo exclusivo a indivíduos que morem na mesma casa, mas também nos jogos online: “Vários jogos possibilitam não só a ideia de passar o tempo, mas o contato com amigos e familiares. Além disso, pode trazer integração, a sensação de pertencimento e a manutenção de momentos de diversão que se tornaram inviáveis no contexto de distanciamento social”, explica. “Não podemos mais encontrar os amigos nos bares, shoppings ou para fazer uma confraternização na casa de familiares, então vejo que as partidas online, por exemplo, possam resgatar esse contexto de diversão em conjunto e trazer novos elementos para as conversas e partilhas”.
“Os jogos online nos dão a possibilidade de passar um tempo com amigos que não podemos encontrar durante o isolamento e até mesmo de fazer novas amizades”, afirma Beatriz.
“Sei que há muita preocupação em relação ao uso excessivo de jogos por crianças e adolescentes e dos efeitos negativos em seus comportamentos e desenvolvimento, mas eu diria que qualquer recurso usado em demasia pode fazer mal e atribuo os excessos à falta de estímulos e limites, pode ser difícil enxergar outras atividades se não há investimento de ambas as partes. Por fim, eu não diria que seriam uma solução, mas com certeza podem ter atribuição positiva a algumas questões de socialização enquanto estivermos em casa”.
A percepção dos jogos como forma de aliviar a tensão causada pelo isolamento social, além de aproximar entes queridos tanto pessoalmente como online, não é nova: em um artigo para a revista TIME, o jornalista Sean Gregory comenta sobre sua experiência pessoal jogando NBA 2K20 com seu filho adolescente de 13 anos: “ele e eu estamos em uma acalorada disputa de ‘melhor-de-sete’, eu com meu Detroit Pistons de 1989 e ele com o seu Chicago Bulls de 1991”. “Ele tem me vencido com uns três jogos de diferença. Para um homem de meia-idade com muitas responsabilidades adultas, me estressar sobre as capacidades do meu [defensor dos Pistons de 89] Bill Laimbeer contra o gigantesco Michael Jordan de meu filho não parece muito saudável”.
“Mas e se for?” — ele continua. “No último mês, enquanto estivemos em quarentena em casa, meu filho e eu usamos os videogames como uma bem-vinda distração. Com o governo de Nova York removendo cestas de basquete das quadras e parques da cidade para incentivar o isolamento social, o ‘bate-bola digital’ nos serve bem como um substituto para o jogo real”. O jornalista segue dizendo como, por meio dos videogames, ele e o filho se provocam, enquanto ele conta sobre jogos dos Pistons que viu em 1989 (os reais, não os digitais).
O sucesso dos jogos como espaço de convívio social nesses tempos, inclusive, reflete nas receitas da indústria. O grupo de análise de mercado NPD informou que março de 2020 foi o melhor “terceiro mês do ano” na indústria desde 2008, ao passo que a Superdata disse que o mesmo mês, pela primeira vez na história da indústria, chegou à marca de US$ 10 bilhões em vendas. Muito disso, dizem os levantamentos, vem de jogos que trazem interações diretas ou componentes online aprimorados (como o jogo de basquete da 2K Sports).
Mas a receita de mercado não é a questão mais importante aqui. O ponto é: como esse volume ampliado de adoção dos videogames pode ajudar no alívio de sintomas psicológicos agravados durante o isolamento? De acordo com Luciana Vainstoc, psicóloga esportiva que já trabalhou com empresas do setor, em especial a fabricante de periféricos HyperX, a ajuda é grande o suficiente para que pessoas que antes torciam o nariz mudem seus conceitos.
“Os videogames são, sim, uma forma de socializar, de estar perto mesmo estando longe. Os jogos são espaços de união para momentos em família, para compartilhar, se conectar, deixar um pouco de lado as obrigações. Quando nos conectamos com nossa parte mais lúdica e criativa, a ansiedade e angústia podem baixar”.
A especialista indica que o período de confinamento autoimposto por causa da COVID-19 nos levou a uma realidade cheia de imprevistos. O fato de não termos muita certeza do que vai acontecer, somado a possíveis angústias que alimentávamos no passado, contribui muito para que distúrbios psicológicos apareçam com mais força: “Sempre digo que nós somos seres ‘biopsicossociais’. Com a pandemia e a impossibilidade de estarmos com nossos entes queridos, podem aparecer sintomas que não tínhamos. Nem todo mundo vai experimentar depressão e ansiedade, mas o confinamento gera um ‘não-saber’: o que vai acontecer amanhã? Temos um inimigo invisível. O passado gera tristeza; o futuro, ansiedade”.
“Não saber o que vai acontecer e não poder projetar e planejar objetivos a curto e longo prazo pode trazer sensação de angústia e ansiedade. É preciso diferenciar o que é normal e o que pode vir a ser patológico. Estar em casa, mesmo acompanhado, e não poder socializar com mais ninguém traz o desafio de lidar com as emoções de maneira totalmente diferente”, afirma Luciana.
Elisa concorda com essa percepção, mas sugere o cuidado de não encararmos os videogames como uma “solução definitiva”. Ela pede, ao invés disso, que a ótica analítica os enxergue como um “meio para um fim”: “Precisamos ter cuidado com a ideia de solução, pois corremos o risco de simplificarmos fenômenos que são amplos e complexos. O diagnóstico de quadros depressivos e seus caminhos de tratamento precisam passar por avaliações médicas e de especialistas. Buscar suporte profissional é essencial”, comenta.
“Porém”, a psicóloga continua, “vejo que os videogames podem configurar como recurso de enfrentamento positivo diante do contexto de isolamento social, pois, para aqueles que gostam, pode ser uma fonte de diversão, prazer, interação com amigos, atuando como caminhos para mitigar a solidão, a ausência de contato, além de desenvolver uma rede social e de conexão com as pessoas”.
Beatriz dá seguimento a essa recomendação: “Estar perto de quem a gente ama, mesmo virtualmente, também tem sua importância e em prol disso podemos fazer uso de todos os recursos disponíveis; existem vários aplicativos que possibilitam esses encontros”. A profissional segue seu depoimento encorajando a busca por mecanismos já estabelecidos de auxílio psicológico, sugerindo que a adoção dos videogames junto a eles forme uma estratégia mais composta de tratamento dos sintomas da mente: “existem vário profissionais na área da psicologia realizando atendimentos na modalidade online. O importante é não hesitar em pedir ajuda”.
Fonte: CanalTech
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